quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

INFERNO DESCEU À TERRA E AINDA ATERRORIZA SANTA CATARINA * *


Marilena Salete Ribeiro * * *
Santa Catarina
25/11/2008

Chorei! Mas não foram lágrimas de tristeza, da tristeza que sinto como catarinense e vivendo no meio desta catástrofe. Chorei emocionada assistindo o Jornal Nacional, vendo que o povo brasileiro é o melhor povo do mundo...

As lágrimas nos olhos daquela senhora do Rio de Janeiro são as mesmas lágrimas que fluem nos olhos de todos nós catarinenses. Meu povo está destruído, arrasado, morto por dentro, sem entender que castigo é esse...

Chorei ao ver que Curitiba, Rio e outros estados estão se mobilizando nesta campanha de solidariedade, de compaixão e de amor. Cada pessoa que doa algo está certamente agradando a Deus, porque é nessa hora que Deus vê quem é capaz de atos gigantescos, mesmo que seja doando um litro de leite, um par de meias para um bebezinho.

Moro em Itapema, as escolas estão cheias de família sem nada, suas casas foram destruídas. Nada do que tinham dentro de casa restou... Nem móveis, nem roupas e alimentos... E não há água! Eu não tenho água em casa. Não moro em área de risco, mas estamos todos sem água. Ficamos sem luz, não podemos trabalhar normalmente, parece o fim do mundo...

Hoje, quando levantei e vi o mar limpo - porque a cor do mar era cinzenta, misturada com marrom... ondas imensas... assustador! Quando vi o sol, meus olhos ficaram marejados. Desde agosto não víamos o sol, ou seja, tínhamos dois dias, no máximo, de sol. E no restante da semana, chuva.

Somos valentes, somos batalhadores, somos um povo de paz, receptivo e solidário, somos de luta. Mas, quando vemos tudo se perder, como meus olhos presenciaram, nossas forças desaparecem feito fumaça e os olhos não crêem no que vêem. Ficamos com as lágrimas dependuradas nos cantos dos olhos. E muitas vezes precisamos nos esconder, para descarregar a dor no pranto, um pranto por ora sem fim.

Aqui não somos mais comerciantes, gerentes, donos de empresas, moradores pobres e ricos. Somos agora um povo arrasado pela fúria da natureza, somos um povo castigado. No meio do caos ninguém é diferenciado pela cor, religião, ou posição social. Somos um povo que perdeu tudo, e recomeçar do zero é preciso. Porque há os que perderam pela fúria da natureza, e há os que não conseguem trabalhar porque não há a menor possibilidade. Diante de tanta destruição, só quem viu e vê é que pode realmente crer que tudo aquilo não é um filme de terror, mas sim a realidade do povo catarinense.

É provação? Provação para ver até onde vai nossa capacidade de luta? Somos valentes na alegria e na dor... Provação em ver os entes queridos soterrados, arrancados do meio da lama, do barro, e mortos? Não sei dizer o que é isso! Sei que choro a dor dos que perderam a vida, dos que perderam seus móveis, dos que perderam suas empresas e casas...

Eu vi o que se passou onde moro, e que se ameniza um pouco, agora que o sol veio sorrindo como se nada tivesse acontecido... Eu vi a dor nos olhos de todos, eu vi as crianças sem mamadeiras, sem fraldas, sem toalhas de banho, sem roupas para trocar... Eu vi pessoas sem nada, fugindo de casa carregando na palma de sua mão apenas suas vidas...

Eu vi a luta dos bombeiros, dos salva-vidas, daqueles moços que foram treinados para entrar no mar e salvar pessoas. Mas, dentro do mar, aprenderam mais uma lição, aqueles moços e moças. Aprenderam a salvar até mesmo a dignidade das pessoas. Porque ficamos sem saber quem somos, diante do horror. Eu vi a luta de todos. Mas muitas vezes ficamos sem ação, apenas olhando tudo, sem reação alguma.

Foi um momento da besta ou de Deus tudo isso? Não quero perder minha fé, sabendo que estou viva, e bem. Claro que devido a tudo, os que supostamente estão bem, estão sem trabalhar, sem ganhar seu ganha-pão, sem água potável e muitas vezes sem luz. Todos, todos os catarinenses desta região foram afetados de alguma forma. Mesmo os que estavam seguros ficaram sem a menor condição de agir. Caos é o que se tornou a vida de todos, mas de todos indistintamente...

Quando vi no Jornal... roupas de crianças era o que mais a Rádio Cidade FM pedia. As crianças com pezinhos gelados... e ali não eram crianças pobres e nem ricas, eram crianças com frio, molhadas e fugindo do terror.

Muita gente me pergunta: "Mas por que não saíram antes de suas casas?" Creio que nem os geólogos seriam capazes de prever algo tão terrível. Lugares que não eram de risco tornaram-se o inferno.

No sábado escrevi falando que Santa Catarina chora... mas poucos acreditaram que estávamos no meio do inferno... porque ninguém crê em tanta desgraça assim. Não queremos crer que o inferno desceu à terra e ainda aterroriza dessa forma. Agora, ouço as sirenes desesperadas das ambulâncias correndo pela cidade... Ando assustada, temendo esse som desesperado.

Àquelas pessoas que vi no Jornal, doando não somente roupas, calçados, alimentos e outros, mas doando seu coração para o povo catarinense, acreditem, somos gratos por toda eternidade. Por mais que nós - as pessoas que não sofreram diretamente, mas indiretamente todo esse horror - ajudemos, é muito pouco diante do que é preciso.

Dividimos o que tínhamos, mas é um grão de areia o que fizemos se comparado com a necessidade. Ainda é necessário muito mais... Por isso, a todas as pessoas dos estados que estão mobilizadas, à defesa civil dos estados que entraram nessa campanha de socorro, somos gratos. Por ter a certeza que temos o melhor povo do planeta, é que sinto orgulho de dizer: eu sou brasileira com muito orgulho!

As orações que foram dirigidas vieram com a mesma intensidade da chuva, porque hoje o sol abriu um sorriso, aliviando assim nosso medo. Santa Catarina chora um pranto de morte e dor. O povo catarinense está desolado, apenas olha para tudo, sem forças para lutar neste momento.

Olhei hoje a praia, não a reconheci. Tem tanta coisa estranha ali, tem coisas que vieram do mar, que não dá para crer, tem destruição em tudo. Nosso paraíso - a Meia Praia, em Itapema - está irreconhecível. A Av. Atlântica, em Balneário Camboriú, é uma coisa só: água do mar e dos rios...

Os sonhos não morrem, não têm morte súbita. Os sonhos estão no coração de todos os catarinenses, mesmo que agora estejam amortecidos, doentes. Mas existem. Mesmo sabendo que agora os sorrisos se transformaram em lágrimas de sangue e dor.

Depois que tudo passar e o sorriso voltar, traduzindo garra e coragem, sei que nosso povo irá se agigantar e do barro levantará suas vidas... porque o tempo não pode ser de negras nuvens para sempre. Sei que as horas de terror tornar-se-ão minuto, minuto este de paz e calmaria...

Quando tudo passar, o povo catarinense terá disso tudo apenas a lembrança de um passado de terror. E todos renascerão no futuro, com uma vida renovada... porque não pressentimos o perigo, mas podemos pressentir o futuro e esperar em paz.

Obrigada, a todos os amigos que junto comigo rezaram desde sábado. Obrigada, a todos que estão atentos e enviando uma energia positiva a ponto de fazer um sol nascer para todos nós... porque a previsão era de chuva até quinta-feira, o que não ocorreu. O sol nasceu nesta segunda-feira em meio a nuvens e pancadas de chuva. Mas hoje, o sol nasceu com todo o seu esplendor. Creio na força da oração dos meus amigos.

Não vou assinar com fel e dor, neste momento, um pedido de perdão para Deus, por haver indagado desesperadamente: - Por que, meu Deus?! Por quê? Por que crianças? Por que doentes em UTIs? Por que idosos? Por que todos? Por que prantos sem consolo? Por que tudo isso?

Vou agora tomar meu banho de caneca, porque desde a semana passada estamos sem água... E vou rezar, para agradecer, a ajuda está vindo, mas ainda preciso orar por todos os que estão se mobilizando em todos os estados...

Quisera fosse possível fechar os olhos e adormecer serenamente. Tudo isso não é um filme de terror, e sim a realidade do povo catarinense. Itapema chora por seu povo... Santa Catarina chora!
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* Comentário do Editor, André F. Falleiro Garcia
* * Texto de e-mail que circulou pela internet. Título, adaptações e negrito introduzidos pelo Editor.
* * * Marilena Salete Ribeiro - Itapema - Santa Catarina

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